domingo, 28 de setembro de 2008

O encanto presidencial

Já eram quase sete horas. O relógio contra. Uma garoa gelada, num sábado intranqüilo. Trânsito. O mapa do google perdido na bolsa. A bolsa que cai sob o banco do carro. Faróis vermelhos. Olhares. Perguntas. Ruas atrevidas em locais impróprios. Mas lá estava eu, correndo contra o tempo para a cobertura de mais uma pauta. Raiva. O atraso não me permitiu a proximidade adequada. Mas, me encaixei na multidão, com a delicadeza natural dos desesperados e saquei da minha bolsa o bloco de anotações e uma caneta. Ufa, lá estava eu, entre dezenas de centenas de milhares...mal via meus pés, mas conseguia respirar se controlasse a ansiedade.
Quando ele surgiu no palanque (ou seria palco?) uma multidão, urrou, saltou e aplaudiu. Com bandeiras em riste, saldaram-no. Eram partidários, militantes, simpatizantes e curiosos, que como eu, assistiam a tudo.

Com um joelho ardente, recém esfolado, fiquei na ponta dos pés. De repente, uma estranha quietude. Não saberia explicar, mas a multidão que estava à instantes em alvoroço, silenciou-se e recolheu as incestuosas flâmulas partidárias para ouvir seu discurso.

Encantados, ouviam-no como quem aprecia uma orquestra pela primeira vez. Encantados, seduzidos, debruçados em seus próprios devaneios e fantasias. Sentia todas as migalhas de esperança serem recolhidas ali. Por alguns instantes deixei as anotações de lado para observar os olhares seduzidos das pessoas, quase num estranho transe. Os olhos lacrimosos entre o pranto e o gozo. Algo que não saberia distinguir com precisão.

(...) Ao final do discurso, as pessoas retornaram para suas casas. Renovadas de uma força singular. Mas não seria tão insensível a ponto de desprezar tantas percepções desta noite. Seria condizente com a notícia, acrescentar minhas deduções também. E não há como ocultar.
Por mais que critiquem que julguem e crucifiquem, é preciso reconhecer o seu mérito. O encantador de multidões estava lá, invencivelmente popular. Semeador de sonhos. Colhedor de votos. E em qualquer estação do ano. Em qualquer lugar do país. Em qualquer instante de delírio popular. E eu fui testemunha ocular de seu mistério.
Raquel Duarte

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