segunda-feira, 12 de maio de 2008

Repórter não é polícia

Imprensa só responde por informar errado se há abuso

A imprensa não responde por divulgar uma informação errada, mas por abusar do direito de livre manifestação do pensamento, criação, expressão e informação. O entendimento é do desembargador Ênio Santarelli Zualiani, da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. O desembargador livrou a Band de pagar indenização por danos morais para a Tecplan Escola de Pilotagem.

Em outubro de 2003, o programa Brasil Urgente mostrou, ao vivo, um acidente de helicóptero, no qual morreu o piloto, que era instrutor, e um aluno ficou gravemente ferido. Só que, na hora de informar os telespectadores, o apresentador errou o nome da empresa que estava envolvida no acidente. Disse que o helicóptero pertencia à Tecplan. Na verdade a máquina pertencia à Rangel Escola de Pilotagem.

O erro foi corrigido mais tarde. A Tecplan, que à época estava com as atividades paralisadas, entrou com ação de indenização contra a Band. Disse que o erro do apresentador abalou sua reputação, feriu a honra e a imagem, o que justificava o recebimento da reparação. A Band, para se defender, afirmou que as escolas pertenciam ao mesmo dono, que errou uma única vez e que não haveria dano porque a Tecplan não estava mais no mercado.

A primeira instância não acolheu os argumentos e condenou a emissora a pagar R$ 10 mil. Tanto a Band quanto a Tecplan recorreram ao Tribunal de Justiça Paulista. A primeira para se livrar da condenação; a segunda para aumentar o valor da reparação.

O desembargador Santarelli Zualiani, relator designado, acolheu apenas o recurso da Band. Em seu voto teceu comentários sobre o limite entre o chamado furo de reportagem e o dever do jornalista de apurar a informação. "Imprensa não responde por erro, mas, sim, pelo abuso que comete no exercício de sua função", disse Zualiani.

De acordo com o relator, embora tenha de ser exigido do jornalista rigor e cuidado, não se pode impor a pesquisa da ficha técnica das empresas para saber quem são os donos, ou que tenha de averiguar no setor de aviação competente em nome de quem estava registrada a aeronave.

"Na missão de noticiar os fatos que estão ocorrendo, nem sempre é possível conferência segura dos dados que são transmitidos. O que interessa ao jornalista, no tempo real, é o aproveitamento da notícia, devido ao interesse do público. Somente por uma vez, por má informação, citaram o nome da autora, o que caracteriza uma transgressão secundária e não intencional, sendo incapaz de justificar indenização", afirmou Zualiani.

Ainda segundo o relator, não há de se falar em abalo à reputação da empresa porque o curso de pilotagem envolve público restrito, formado por pessoas que sabem distinguir fatalidade e racionalidade. Para Zualiani, os telespectadores do Brasil Urgente não se enquadram nesse perfil, assim não haveria dano. "A diminuta parcela de indivíduos preocupados com o nome da empresa não seria persuadida pelo único erro da referência que foi cometida", considerou.

Apurar primeiro, noticiar depois

O desembargador Francisco Loureiro, relator do recurso da empresa e da Band, foi voto vencido na sessão. Ele decidiu pelo direito da empresa de pilotagem em receber a indenização por reconhecer que, embora único, houve erro da emissora em noticiar um fato. Segundo Loureiro, o erro, por si só, causa dano moral indenizável "por violar o direito à imagem e bom nome".

"Evidente que não se exige do jornalista o mesmo rigor e aprofundamento no exame das provas que devem ter as autoridades policiais e judiciárias, sob pena de inviabilizar o jornalismo investigativo. Isso, porém, não isenta o jornalista do dever de ser reto e veraz, de checar suas fontes, de apurar a procedência dos fatos, de pesar evidências, evitando a todo custo a divulgação precipitada de fatos delituosos que possam arruinar a vida e a reputação de pessoas indevidamente citadas", observou o desembargador.

"O dever da verdade foi atropelado pela premência do furo jornalístico, pelo sensacionalismo, pela manchete fácil, pela criação do fato a ser depois investigado", reconheceu. "Notícia falsa cria presunção de culpa, ou até mesmo responsabilidade objetiva", afirmou.

Loureiro votou para manter o valor da indenização em R$ 10 mil. A maioria da turma, no entanto, acompanhou Zualiani para livrar a Band de pagar a indenização. As partes ainda podem recorrer.

(Revista Consultor Jurídico, 3 de maio de 2008)

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